Na última aula, dissemos que nossa
mente original é totalmente ampla, pura, límpida e luminosa, mas que os nossos
pensamentos nublam e acabam bloqueando a luz original da nossa mente.
Nossos pensamentos apegados acabam
distorcendo tão fortemente a nossa visão que nos fazem capazes de interpretar
como sendo adoráveis, belas e atraentes, coisas e situações que, em sã
consciência, consideraríamos totalmente indesejáveis ou repulsivas. Olhamos
barro, por exemplo, mas enxergamos ouro puro. E podemos passar o resto de nossa
vida tentando acumular tal “ouro”, mas, quando nos damos conta, tudo o que
fizemos foi juntar um monte de barro.
A energia dos nossos pensamentos de
apego é poderosamente atrativa. Ela faz com que os seres comecem a mover-se
atrás dos seus desejos e interesses.
Esses pensamentos ligados ao apego são
responsáveis pelo que chamo de armadilha ou arapuca. Você é atraído fortemente
por algo, levanta-se e segue atrás e, quando consegue alcançar ou obter o que
buscava, fica preso a uma determinada situação que lhe traz grande dor,
sofrimento e arrependimento. Você vira refém do seu próprio impulso e desejo inicial
como um peixe que, ao morder a isca, acaba fisgado e morrendo pela própria
boca! Isto é muito interessante! Este mundo está cheio de anzóis por toda a
parte.
O apego, então, nos põe em movimento
ao mesmo tempo em que nos faz ir atrás daquilo que nos fisga, agarra, prende,
aprisiona e acorrenta.
A vida está verdadeiramente infestada
de situações com esta mesma essência. Sexo, dinheiro, poder, fama ou prestígio,
e, ainda, drogas e jogos, são armadilhas para sermos fisgados. Quando alguém
está sob o domínio dessa energia, tudo o que quer é continuar explorando-a ao
máximo. E por causa do nosso apego, nós vamos atrás da felicidade exatamente
onde ela não está e não pode ser encontrada! Quanto mais apego, mais gente,
menos espaço, mais atrito e mais sofrimento!
Perceba... Por causa do apego e da
ânsia por experiências, o nosso “eu” cria o nosso mundo. Atraídos, excitados e
ansiosos com a possibilidade de novas vivências, enveredamos por aquilo que
será a nossa própria clausura. Na verdade, tateamos no escuro e todos os
caminhos parecem conduzir sempre ao mesmo ponto: carência, insatisfação, dor e
sofrimento. Então, de repente, começamos a ouvir vozes e percebemos que há mais
seres ali conosco. São seres como nós! Correndo atrás dos mesmos desejos. Por
familiaridade cármica, nos ajustamos perfeitamente ao plano de existência ao
qual nos ligamos. Todos ao nosso redor padecem das mesmas dores, também estão
carentes, perdidos e sofrendo sem saber o motivo real. Nenhum deles, assim como
nós mesmos, parece saber exatamente o que faz naquele lugar. Chegamos ali como
quem é largado de paraquedas no meio do oceano. A única certeza é que
precisamos continuar nadando ou nos afogamos.
Talvez desconfiemos estar numa
estrutura de vários níveis como um enorme castelo. Há masmorras e calabouços,
fétidos, abarrotados, de onde partem gritos horrendos. São berros, gemidos e
sussurros de pessoas violentadas, maltratadas e mortas por carrascos. Vez ou
outra, calafrios percorrem a nossa coluna só de imaginar que, num descuido – num
escorregão -, possamos ir fazer coro lá embaixo. Os reinos inferiores são mais
populosos que os reinos superiores. Você sabe dizer o motivo? Muito simples, há
uma frequência bem maior de pensamentos degenerados do que de pensamentos
virtuosos A prática do bem, sem sujas intenções, infelizmente é muito rara
neste mundo e em todos os mundos.
Explorando tudo o que podemos, sem
muita direção, encontramos salões mais ou menos barulhentos, com muita ou pouca
música, mas aparentemente melhor iluminado. As pessoas destes salões parecem
muito afetuosas, sorridentes, amigas e simpáticas. Tudo é aparentemente ingênuo
e despretensioso, mas, se você olhar um pouco melhor a sua volta, se estiver
suficientemente atento, conseguirá perceber que todas elas usam máscaras e difarçam,
escondem os seus verdadeiros propósitos e sentimentos. Elas não são reais, não
são verdadeiras. A conversa não é verdadeira, nem a amizade, nem os sorrisos,
nem os abraços, nem a música ou sequer o vinho. Tudo o que acontece é forjado,
envenenado, contaminado por mesquinhez.
Em todo andar, em cada salão, grupos
de cores distintas conspiram, tramam surdamente, estabelecem acordos, jogos
psicológicos, sobretudo, tentam angariar não verdadeiros amigos ou
companheiros, mas cúmplices e comparsas. Quando olham para você, avaliam a sua
estatura e possível utilidade. Talvez você tenha força, beleza, inteligência,
algo que sirva aos seus planos. Se tiver algum talento especial você certamente
poderá ficar e, de repente, virar o centro das falsas atenções. Caso contrário,
se não mostrar utilidade alguma, se for incapaz de absorver hábitos e
estratagemas, eles darão um jeito para que você queira conhecer outros cômodos
do castelo. Se você se mostrar perigoso, cuidado, pois poderá ser empurrado
direto ao fundo.
Quase todos ali têm um único objetivo:
chegar aos salões e as torres mais altas do castelo. Mas é muito difícil. As
escadarias são estreitas, circulares, com muitíssimos degraus e, especialmente
bem guarnecidas.
No topo, umas poucas pessoas usam ouro
sobre a cabeça e passam os dias a se laurearem mutuamente. Elas servem-se do
melhor vinho, comem iguarias e petiscos raríssimos, ouvem a melhor música,
praticam os mais refinados prazeres e luxúrias. Principalmente, possuem
tesouros capazes de comprar a lealdade de exércitos e fazê-los pisar sobre
todos que estão abaixo dali.
Mesmo os que vivem nas altas torres,
parecem aflitos e desgostosos; quando vistos de perto, não parecem nem um pouco
mais felizes do que os pobres prisioneiros dos calabouços. Todos reclamam e
gostariam de abandonar o que são e o que fazem, para ganhar uma liberdade sem
muros, sem fronteiras, sem mentira, sem falsidade, sem hierarquias. Todos oram
e rezam para que algum Deus os venha salvar. Mas, salvar do quê? Eles sabem que
nenhum lugar seria melhor havendo tantos patifes à solta. Na verdade, eles
querem ser salvos de si mesmos.
Perceba... A grande maioria das
pessoas teme a liberdade, aderiu à prisão ilusória onde está agora e desistiu
de tentar reencontrar a consciência primordial. Cada uma das pessoas deste
castelo está apegada e identificada demais à sua própria condição e dor para
abandoná-la.
Seja nas masmorras, calabouços, salas
intermediárias ou nas altas torres, onde for, você ouvirá os mesmos apelos para
que assuma e defenda os interesses e, lute até a morte. Se você não tiver uma
mente clara, independente, será presa fácil e acabará, por sua própria vontade,
enclausurado neste mundo para sempre.
Você interromperá e até esquecerá que
a sua vida verdadeira deveria ser uma completa busca original, uma odisseia
interior
Você não vê, mas seu olhar se tornou
vago, perdido e doentio. Há um mudo desespero escondido no sótão do seu ser
mais íntimo e transcendente. Você não percebe, mas infelizmente, perdeu o
último sorriso verdadeiro que possuía. Você vendeu o seu bem mais precioso, o
sorriso espontâneo que os seus lábios de criança tempos atrás floriam... Você
perdeu o seu sorrir imotivado, sem causa, sem ter por quê. Agora, você só sorri
se realiza os seus míseros desejos, porém este é um sorriso triste.
Você é um ser fictício que luta
incessante e insanamente, mas acaba sempre derrotado. Você vai da vida nas
torres aos calabouços, dos calabouços às torres, sem parar, sem ter fim, sem
descanso, sem paz sem sossego...
Enfim, você nem se lembra mais de que
o universo inteiro é o seu coração. Você não sabe mais o que é sanidade. A
porta de saída do castelo te leva a novos castelos, onde tudo se repete.
Aliás, a porta secreta e pura, de
profunda amorosidade e compaixão, que apesar de tudo ainda há no seu coração,
desapareceu. A sua vida vive você. Você não vive mais a sua vida. De vez em
quando, em lampejos de lucidez, você se pergunta: “O que faço aqui? Qual o
sentido dessa vida? O que sou?
Mesmo que seu corpo morra e desapareça
várias vezes, todas as marcas impregnadas na sua mente reconstruirão um corpo e
um castelo, onde o fluxo possa escoar e expressar-se, desde o ponto onde
estava. Tudo gira novamente e as experiências se repetem, das torres às
masmorras, das masmorras às torres, infinitamente... Você está apegado à sua
própria existência. Vida após vida, incessantemente você corre atrás de provar
e satisfazer desejos.
Assim é o fluxo do apego sutil à
existência. Não importa o quanto sofra, nem quantas vezes você morra em nome
dessa energia de hábito – o apego. Irresistivelmente você a segue, ou é
empurrado, arrastado por ela, sem conseguir parar. Uma existência cíclica
perpetuada, ou um contínuo ressurgir do seu castelo dos sentidos.
Então, nesse momento, eu te pergunto:
até quando? Por que não olhar para dentro nesse exato momento e buscar a
verdadeira felicidade? Até quando você vai continuar correndo atrás de
satisfazer seus míseros desejos em busca de uma felicidade efêmera, passageira?
Mente Atenta... Desperte!
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