24 de jun. de 2011

Isha Upanishad

Infinito
Este texto foi transmitido oralmente antes da invenção dos alfabetos sânscritos usados para transcrevé-lo. Estima-se sua idade em 3500 anos. O nome desta Upanishad deriva da primeira palavra que aparece nela, Isha ou Ishvavasya, que designa o Absoluto ou Ser Infinito.

O principal propósito deste shastra é mostrar-nos a onipresença do Absoluto e a unidade essencial existente no universo. Preocupa-se, não em definir o Absoluto em si mesmo, senão em relação ao mundo. Nos ensina igualmente que espiritualidade e vida cotidiana não são incompatíveis.

Mahatma Gandhi prestou um belo tributo a este texto quando disse:

"Se as Upanishads e todas as outras escrituras fossem repentinamente reduzidas a cinzas, e se somente o primeiro verso da Isha Upanishad permanecesse na memória dos hindus, o hinduísmo viveria para sempre."

Esse primeiro verso ao qual Gandhi refere-se, é a invocação inicial (shantipath) deste texto, e diz assim:

"Om. Isto é plenitude. Aquilo é plenitude.
Da plenitude, a plenitude surge.
Tirando a plenitude da plenitude,
somente a plenitude resta.
Om paz, paz, paz."

Essa lacônica invocação, que mais parece uma absurda fôrmula matemática (1-1=1), coloca em xeque o principal dogma da civilização materialista e tecnocrática em que vivemos atualmente. Apoiando-se num padrão de escassez muito mequetrefe, esse dogma, torpemente consensual, afirma que nunca haverá suficiente terra, alimento, dinheiro ou conforto para todos.

Consequentemente aprendemos, desde crianças, que estamos condenados a lutar com unhas e dentes para conseguir esses bens, e que morreremos se não os soubermos conservar. Este parece um triste corolário sociológico da lei da seleção natural.

O ponto de vista deste shantipath é oposto a essa atitude materialista e é absolutamente revolucionário, apesar da sua respeitável idade. Essa visão inovadora (se podemos falar em “inovação”, em se tratando de um texto de 3500 anos) começa na constatação de que a natureza é infinitamente generosa: “tirando-se a plenitude da plenitude, somente a plenitude resta”.

O ponto de partida é diametralmente oposto ao do materialismo: existe uma fonte infinita e inesgotável de pura consciência, amor, abundância e plenitude, e essa fonte é o Ser Infinito. Sintonizando-nos com ele, teremos um vida plena e feliz, na qual as benesses do mundo material serão apenas uma conseqüência natural, e não a principal força que comanda nossas vidas. É desta forma que a invocação induz o início da Isha Upanishad, que nos faz o primeiro convite no seguinte verso:

"O Ser Infinito está presente nos corações de todos.
O Ser Infinito é a suprema realidade.
Regojizemo-nos nele através da renúncia.
Não cobiçes nada, pois tudo ao Ser pertence."

Se todos aceitássemos essa proposta, certamente não haveria mais guerras, nem fome, nem violência. Citemos novamente Mahatma Gandhi:

"Há o suficiente no mundo para suprir as necessidades de todos. Porém, não há o suficiente para suprir as ambições de todos."

Dioníso o Areopagita, filósofo neoplatônico do século V d.C., escreveu que, conforme envelhecia e ficava mais sábio, seus textos ficavam mais e mais curtos. Se formos usar essa regra para medir a idade (e a sabedoria) do compositor deste texto, poderemos concluir que ele seria imortal, pois esta é a mais breve e profunda das Upanishads.

Dizer que esta é a mais breve e profunda das Upanishads não é dizer pouco, pois essa coleção de textos caracteriza-se pela brevidade quase telegráfica, e focaliza-se inteiramente na busca interior.

1) Qual é a causa do cosmos?
2) O que faz minha mente pensar?
3) O que acontece após a morte?

É com perguntas como estas que as Upanishads nos convidam a um questionamento sobre a realidade transcendental. Essas escrituras não tratam sobre especulação metafísica, mas oferecem um guia prático e preciso para realizar o propósito supremo da existência.

Ao longo destas obras percebe-se a visão dos rishis, sábios-poetas da Índia antiga. Essa visão, advinda da experiência pessoal, nos ensina que existe uma essência divinal dentro de cada ser e que descobrir essa essência dentro de si próprio é o mais elevado propósito de vida.

Como estes textos pertencem a um período histórico e a uma cultura muito diferentes da nossa, precisaremos fazer um esforço para compreender a linguagem e o simbolismo, que podem parecer escuros na primeira leitura. Não obstante, nossos esforços serão bem recompensados pela beleza e profundidade das reflexões que eles postulam.

O tradutor da presente versão precisou usar toda sua experiência, inteligência e compreensão, aliadas a anos de meditação, leituras e tentativas frustradas, antes de criar a coragem necessária para colocar esta tradução no papel. Em parte, devido ao respeito que este breve texto inspira, em parte por causa da complexidade da tarefa. Boas contemplações!



Isha Upanishad

Invocação da paz

Om. Isto é plenitude. aquilo é plenitude.

Da plenitude, a plenitude surge.

Tirando-se a plenitude da plenitude,

somente plenitude resta.

Om paz, paz, paz.


A Unidade que permeia o Cosmos

O Ser Infinito está presente nos corações de todos.

O Ser Infinito é a suprema realidade.

Regojizemo-nos nele através da renúncia.

Não cobices nada, pois tudo ao Ser pertence. 1.


Trabalho e sabedoria

Que trabalhando desta forma, possas viver cem anos.

Pois somente assim poderás trabalhar em liberdade real. 2.


Aqueles que negam o Ser renascem novamente.

Cegos para o Ser, envolvidos nas trevas,

são totalmente destituídos de amor por ele. 3.


O Ser Infinito é transcendente e imanente

O Ser é uno. Sempre imóvel,

o Ser é mais veloz que o pensamento,

mais veloz que os sentidos.

Embora imóvel, ele alcança qualquer objetivo.

Sem o Ser, a vida não poderia existir. 4.


O Ser parece mover-se, mas está sempre quieto.

Parece estar longe, mas está sempre perto.

Está em tudo, e tudo transcende. 5.


Aqueles capazes de perceber todos os seres em si mesmos,

e a si mesmos em todos os seres, não conhecem o medo.

Aqueles capazes de perceber todos os seres em si mesmos,

e a si mesmos em todos os seres, não conhecem o sofrimento. 6.


Como pode a multiplicidade da vida

iludir àquele que percebe sua unidade? 7.


O Ser está em toda parte. Resplandecente é o Ser.

Indivisível, imaculado, sábio, imanente e transcendente,

é ele quem mantém a coesão do mundo. 8.


Ignorância e sabedoria

Em noite de trevas vivem aqueles

para quem somente o mundo exterior é real.

Em trevas ainda mais escuras vivem

aqueles para quem apenas o mundo interior é real. 9.


O primeiro conduz a uma vida de ação.

O segundo, a uma vida de contemplação. 10.


Porém, aqueles capazes de combinar ação e contemplação,

atravessando o mar da morte pela ação,

alcançam a imortalidade através da contemplação.

Assim ouvimos dos sábios que nos instruíram. 11.


O manifestado e o não-manifestado

Em trevas que cegam vivem

aqueles que adoram a destruição.

Em trevas ainda mais escuras vivem

aqueles que se apegam à criação. 12.


Um é o resultado da criação.

Outro é o resultado da destruição. 13.


Criação e destruição: quem conhece ambas,

atravessando a morte pela destruição,

alcança a imortalidade através da criação.

Assim ouvimos dos sábios que nos instruíram. 14.


Prece para a visão da natureza real

A face da verdade está oculta pelo disco dourado.

Remove teu disco, ó Sol que nutres o mundo,

para que eu possa perceber minha natureza real! 15.


Ó Sol, nosso pai, viajante solitário,

controlador da potência da criação,

fonte da vida de todos os seres,

dispersa teus raios e domina teu deslumbrante resplendor

para que eu possa ver o Ser benéfico. Eu mesmo sou esse Ser! 16.


Que meu alento possa dissolver-se no Imortal

quando meu corpo virar cinzas.

Om. Inteligência, recorda, recorda teus feitos,

Inteligência recorda, recorda teus feitos! 17.


Agni, deus do fogo, conduze-nos pelo bom caminho para a felicidade.

Conheces nossos feitos. Livra do erro àqueles que te adoram!

Respeitosa homenagem te oferecemos. 18.

Aqui conclui-se a Isha Upanishad.

Om paz, paz, paz.

Tradução: Pedro Kupfer

Ganapati Upanishad

Auspício àqueles que assim ouvem o Shánti.

1.
Om Gam Ganapataye namah: Om Gam; eu me curvo ante Ganapati.

2.
Tu és claramente o tattva (o todo). Somente Tu és o Criador. Somente Tu és o Mantenedor. Somente Tu és o Destruidor. De tudo isso, Tu certamente és Brahman. Tu és evidentemente a essência.

3.
Sempre eu falo Amrita (o Imperecível). A verdade eu falo.

4.
Proteja-me. Proteja os falantes. Proteja os ouvintes. Proteja os doadores. Proteja os mestres. Proteja o discípulo que repete. Proteja no leste. Proteja no sul. Proteja no oeste. Proteja no norte. Proteja acima. Proteja abaixo. Proteja em toda parte! Proteja-me em toda parte!

5.
Tu és palavra. Tu és consciência. Tu és beatitude. Tu és Brahman. Tu és Ser-Consciência-Beatitude. Tu és o Não-dual. Tu és claramente Brahman. Tu és Conhecimento. Tu és Inteligência.

6.
Tu crias todo este mundo. Manténs todo este mundo. Todo este mundo é visto em Ti. Tu és terra, água, ar, fogo e éter. Tu estás além das quatro medidas da fala. Tu estás além dos três Gunas (sattva, rajas, tamas). Tu estás além dos três corpos. Tu estás além dos três tempos (passado, presente, futuro). Estás sempre situado no Muladhára. Tu és o ser das três Shaktís (icchá,kriyá, jñána). É em Ti que os yogis sempre meditam. Tu és Brahmá, Tu és Vishnu, Tu és Rudra, Tu és Agni, Tu és Váyu, Tu és o Sol, Tu és a Lua, Tu és Brahman, Bhur-Bhuvah-Svar (a Terra, a Atmosfera, o Céu).

7.
Ga é a primeira sílaba. Em seguida, a primeira letra, além dela, o M, e então a meia-lua. Unido a M, essa é a forma do mantra.

8.
A letra Ga é a primeira forma. A letra A, a forma média, e o M (anusvara), a última forma. O Bindu é a forma mais elevada, Náda(o som sutil) é o unir-se; Samhitá (a canção), a junção. Esse é o vidyá (conhecimento) do Senhor Ganesha.

9.
Ganaka é o rishi; Nrichad-Gáyatrí, a métrica; Sri Mahaganapati, o devatá. “Om Ganapataye Namah”.

10.
Pensemos Naquele de Um-Só-Dente, meditemos Naquele de tromba curvada, possa este Dente nos guiar!



Om Ekadantaya vidmahe
vakratundaya dhimahi
tanno danti prachodayat


11.
Um Dente, quatro braços, carregando o laço e o aguilhão, faz os gestos (mudrás) de dissipar o medo e conceder bençãos, com um rato como emblema sobre sua bandeira.

12.
Vermelho, com uma grande barriga, suas orelhas assemelham-se a abanadores. Trajando vestimentas vermelhas, seus membros são ungidos com perfume (sândalo) vermelho. É verdadeiramente adorado com flores vermelhas.

13.
Ao devoto, um deus misericordioso, o Construtor do Mundo, a Causa Primordial, que no começo da Criação era maior que a Natureza e o Homem.

14.
Aquele que, sempre assim, medita, é o maior dos Yogis.

15.
Reverência ao Senhor dos Votos. Reverência a Ganapati. Reverência ao Primeiro Senhor. Reverência a Ti, de Grande-Barriga, a Ti, que tem um só Dente, Destruidor-de-Obstáculos, filho de Shiva, o Doador de Bençãos, reverência, reverência!

16.
Aquele que estuda esse texto do Atharva move-se em direção a Brahman. É sempre bem-aventurado. Não é limitado por nenhum obstáculo. Livre dos cinco maiores pecados e dos cinco menores. A meditação no crepúsculo destrói as ações demeritórias da noite. No crepúsculo e pela manhã, ele é liberado do mal e adquire Dharma, Artha, Kama e Moksha (justiça, riqueza, realização dos desejos e liberdade).

17.
Esse Artharva Shira não deve ser dado àqueles que não são discípulos. Se por ilusão uma pessoa assim fizer, é uma pessoa má.

18.
Aquele que deseja algo pode alcançá-lo através de 1000 recitações desse texto. Aquele que esparge Ganapati com esse texto torna-se eloqüente. Aquele que o recita em um quarto dia se transforma em um conhecedor de Vidyá (a ciência sagrada).

Eis um provérbio do Atharva: “quem se dirige em direção a Brahmávidyá (o conhecimento do Absoluto) nunca teme”. Aquele que cultua com grãos tostados, torna-se famoso e inteligente. Aquele que cultua com carne-doce (modaka), ganha o fruto desejado. Aquele que cultua com samit e ghee, tudo alcança, tudo ganha.

Aquele que faz oito brahmanes compreenderem esse texto, torna-se como os raios do Sol. Aquele que tenha recitado esse texto em um eclipse solar, em um grande rio ou na frente de uma imagem, torna-se realizado no mantra. Torna-se livre dos grandes obstáculos. É livre dos grandes infortúnios.


Tradução do Sânscrito para o inglês: Mike Megee (lokanath Maharaj)
Tradução para o português: Alexandre Vieira

Amritabindu Upanishad

Diz-se que a mente pode ser de dois tipos: pura e impura.
Quando é governada pelos sentidos, torna-se impura;
porém, com os sentidos sob controle, a mente torna-se pura.

É dito que a mente pode escravizar-nos ou libertar-nos.
Governados pelos sentidos, tornamo-nos escravos.
Sendo mestres dos sentidos, tornamo-nos libertos.
Aqueles que procuram a liberdade devem dominar os sentidos.

Quando a mente se desprende dos sentidos,
alcança-se o cume da elevação da consciência.
A mestria sobre a mente conduz à sabedoria.
Pratique a meditação. Evite falar desnecessariamente.
O estado mais elevado está além do alcance do pensamento,
pois está além de todas as dualidades.
Repita o antigo mantra Om até que ele reverbere em seu coração.

Brahman é indivisível e puro; torne-se consciente de Brahman
para ir além de todas as mudanças. Ele é imanente e transcendente.
Tornando-se consciente dele, os sábios alcançam a perfeição
e declaram que não há mentes separadas.
Eles somente tornam-se conscientes do que sempre foram.

Na vigília, no sono, no sonho, o Ser é somente um.
Transcenda estes três estados, indo além dos renascimentos.

Existe somente um Ser vivendo em todas as criaturas.
O Uno manifesta-se como muitos, assim como a lua
parece ser várias em seus reflexos na água.

O Ser parece mudar de lugar, embora não o faça,
assim como o ar no pote não muda quando este se desloca.
Quando o pote é quebrada, o ar não percebe isso;
Porém, o Ser sabe quando o corpo se move.

Nós não vemos o Ser, oculto pelo poder da ilusão.
Quando o véu cai, percebemos que nós mesmos somos o Ser.
O mantra é o símbolo de Brahman; sua repetição traz paz à mente.

O conhecimento assume duas formas: inútil e elevado.
Realize o Ser, pois todo o resto é conhecimento inútil.
A realização do Ser é o arroz. O resto é somente joio.

O leite de todas as vacas é branco. Os sábios declaram que
a sabedoria é o leite, e que as escrituras sagradas são as vacas.
Assim como a manteiga esconde-se no leite, da mesma forma
o Ser está presente no coração de cada ser vivo.
Bata o leite com o poder da meditação;
transforme a mente através da meditação no Ser:
pura plenitude, pura paz, pura certeza.

"Eu realizei o Ser", declara o sábio, "aquele Ser que está presente
em todos os seres. Estou unido com o Deus do Amor.
Estou unido com o Deus do Amor. "

Que haja paz, paz paz.
Om shantih shantih shantih.

Tradução: Pedro Kupfer

Vijnanabhairava Tantra

Masque de Bhairava
(Musée d'art asiatique de Berlin)

Bhairava e Bhairaví, amorosamente unificados no mesmo nível de conhecimento, deixaram o estado indiferenciado para que, assim, seu diálogo pudesse iluminar todos os seres.

1.
Shaktí de BhairavaBhairaví, disse:

Ó Deus, que manifestas o Universo e fazes luz dessa manifestação, tu és nada mais do que o meu Eu (Self). Eu tenho recebido os ensinamentos de Trika, a quintessência de todas as Escrituras. Entretanto, ainda tenho algumas dúvidas.

2-4.
Ó Deus, do ponto de vista da Absoluta Realidade, qual é a essência da natureza de Bhairava? Reside ela na energia dos fonemas? Na realização da essência da natureza de Bhairava? Em algum mantra em particular? Nas três Shaktís? Na presença domantra que vive em todos as palavras? No poder do mantra presente em cada partícula do Universo? Reside ela dentro doschakras? No som ? Ou ela é apenas a Shaktí?

5-6.
Aquilo que é composto, é nascido fora de ambas, energia imanente e transcendente, ou somente fora da energia imanente? Se for produto apenas de energia transcendente, então a própria transcendência não teria objetivo. A transcendência não pode ser diferenciada por sons ou partículas e a sua natureza indivisível não pode ser expressa na dualidade.

7-10.
Ó Mestre, possa Sua graça afastar minhas dúvidas!

Excelente! Tuas questões, ó bem amada, são a essência dos Tantras. Eu vou desvelar-te um ensinamento secreto. Tudo o que é percebido como forma composta da esfera de Bhairava deve ser considerado como fantasmagoria, mágica ilusória, uma cidade fantasma pairando no céu. Tal descrição serve apenas para guiar aqueles que caem presas da ilusão e de atividades mundanas em direção à contemplação. Tais ensinamentos fazem sentido somente àqueles interessados em rituais e práticas externas e presos na dualidade.

11-13.
Do ponto de vista do absoluto, Bhairava não está associado com letras, nem com fonemas, nem com as três Shaktís, nem com o ato de abrir os chakras, nem com qualquer outra crença, e Shaktí não constitui sua essência. Todos estes conceitos contidos nas Escrituras são direcionados àqueles que têm a mente ainda muito imatura para conceber a Realidade Suprema. São apenas aperitivos que existem para impulsionar aspirantes em direção a um comportamento ético e a práticas espirituais, para que assim eles possam realizar, algum dia, que a natureza última de Bhairava não está separada do seu próprio Eu.

14-17.
Êxtase místico não é assunto para pensamentos dualistas: ele é completamente livre de qualquer noção de localização, espaço ou tempo. Essa verdade somente pode ser tocada pela experiência. Só pode ser alcançada por aqueles completamente libertos da dualidade e do ego, firme e plenamente estabelecido na consciência do Eu. Esse estado de Bhairava é preenchido com o puro prazer da unidade do tantrika (praticante do Tantra) com o Universo. Somente esse estado é a Shaktí. Dentro da realidade da própria natureza de alguém, assim reconhecida, contendo o Universo inteiro, esse alguém alcança a mais elevada esfera. Quem então pode ser adorado pela fé? Quem pode, então, ser preenchido por esta adoração? Somente esta condição reconhecida como suprema é a Deusa Suprema.

18-19.
Assim como não há diferença entre a Shaktí e aquele que a incorpora, nem entre substância e objeto, a Shaktí é idêntica ao Eu. A energia das chamas nada mais é do que fogo. Toda a distinção nada mais é que prelúdio ao caminho do verdadeiro conhecimento.

20-21.
Aquele que alcança a Shaktí concebe a não distinção entre Shiva e Shaktí e entra pela porta do divino. Tal como o espaço é reconhecido quando iluminado pelos raios do sol, assim Shiva é reconhecido através da energia de Shaktí, que é a essência do Eu.

22-23.
Ó Deus supremo! Tu que carregas um tridente e uma guirlanda de crânios, como alcançar a plenitude absoluta de Shaktí que transcende toda a noção, toda a descrição, abolindo tempo e espaço? Como realizar esta não separação do Universo? Em que sentido é dito que a Shaktí suprema é a porta secreta para o estado de Bhairava? Podes responder a essas questões absolutas em linguagem simples?

24.
Shaktí suprema se revela quando inalação e exalação nascem e morrem nos seus dois pontos extremos, alto e baixo. Assim, entre duas respirações, experiencia o espaço infinito.

25.
Entre inalação e exalação, entre parar e seguir, quando a respiração se mantém estável entre os dois pontos extremos, interior e exterior do coração, dois espaços vazios te serão revelados: Bhairava e Bhairaví.

26.
Com o corpo relaxado durante a exalação e a inalação, deixa que tua mente se perca e perceba o teu coração, o centro energético onde flui a absoluta essência de Bhairava.

27.
Quando tiveres inalado ou exalado completamente, quando o movimento da respiração parar por si próprio, nessa quietude universal, a noção do ego desaparece e Shaktí se revela.

28.
Considera a Shaktí como brilho, luz mais e mais sutil, levada para cima através do caule do lótus, de centro a centro, pela energia da respiração. Quando ela se estabiliza no centro mais elevado, é o despertar de Bhairava.

29.
O coração se abre totalmente e, de centro a centro, Kundaliní dispara, ascendendo como um raio. Então, a glória de Bhairava se manifesta.

30.
Medita nos doze centros de energia, nas doze sílabas relacionadas a eles e liberta-te do materialismo para alcançar a suprema sutileza de Shiva.

31.
Foca tua atenção entre as sobrancelhas, mantém tua mente livre de qualquer pensamento dualista, deixa que tua forma seja preenchida com a essência do alento até o topo de tua cabeça e lá, mergulha em radiante espacialidade.

32.
Imagina os cinco círculos coloridos da pena de um pavão como sendo teus cinco sentidos disseminados por um espaço ilimitado e residindo na espacialidade do teu coração.

33.
Vazio, parede, seja qual for o objeto de contemplação, ele é a matriz da espacialidade da tua própria mente.

34.
Fecha teus olhos, veja todo o espaço como se este tivesse sido absorvido pelo interior da tua cabeça, torna teu olhar na direção interior e lá, vê a espacialidade da tua verdadeira natureza.

35.
O canal interior é a Deusa, como o caule do lótus, vermelho por dentro, azul por fora. Ele corre através do teu corpo. Meditando sobre este vácuo interior, alcançarás espacialidade divina.

36.
Conecta as sete aberturas da tua cabeça com teus dedos e te funde em bindu, o espaço infinito entre tuas sobrancelhas.

37.
Se meditares sobre o teu coração, sobre o centro do topo ou entre os olhos, a fagulha que dissolverá pensamentos discursivos entrará em ignição, como quando se esfregam as pálpebras com os dedos. Então, te dissolverás na suprema consciência.

38.
Entra no centro do som espontâneo que ressoa por si mesmo, como o som ininterrupto de uma cachoeira. Ou enfiando os dedos nos ouvidos, ouve o som dos sons e alcança o Brahman, a imensidão.

39.
Ó Bhairaví, canta o mantra Om, o mantra da união amorosa de Shiva e Shaktí, vagarosa e conscientemente. Entra no som e quando ele se desvanecer, desliza para a liberdade do ser.

40.
Foca o surgimento ou o desaparecimento de um som, então alcança a inefável plenitude do vazio.

41.
Estando totalmente presente numa canção, na música, entra na espacialidade com cada som que surge e dissolve-se dentro dela.

42.
Visualiza uma letra (símbolo), deixa-te ser preenchido pelo seu brilho. Com aberta consciência, entra primeiramente na sonoridade da letra, então numa sensação mais e mais sutil. Quando a letra se dissolver no espaço, sé livre.

43.
Quando contemplas a espacialidade luminosa do teu próprio corpo irradiando em todas as direções, liberta-te da dualidade e te une com o espaço (universo).

44.
Se contemplares simultaneamente a espacialidade acima e abaixo, então a energia sem corpo te carregará para além do pensamento dualista.

45.
Reside simultaneamente na espacialidade na base, no teu coração, acima da tua cabeça. Assim, na ausência do pensamento dualista, a divina consciência desabrocha.

46.
Em um momento, percebe a não dualidade em um ponto do teu corpo, penetra o espaço sem limites e alcança a essência liberta da dualidade.

47.
Ó ser de olhos de gazela, deixa o éter permear teu corpo, funde-te na indescritível espacialidade da tua própria mente.

48.
Supõe que teu corpo é pura espacialidade radiante contida pela tua pele e alcança o infinito.

49.
Ó beleza! Sentidos disseminados no espaço dentro do teu coração, percebe a essência de Shaktí como indescritivelmente fino pó de ouro cintilando em sua cabeça e partindo daí são despejados no espaço. Então conhecerás o supremo prazer.

50.
Quando teu corpo é permeado pela consciência, tua mente, unidirecionada, dissolve-se no teu coração, e tu penetras na realidade.

51.
Fixa tua mente no teu coração quando engajado em atividades mundanas, assim a agitação desaparecerá e em poucos dias o indescritível acontecerá.

52.
Fixa tua mente no fogo, mais e mais incandescente, que brota dos teus pés e te incendeia por inteiro. Quando nada mais restar que cinzas espalhadas ao vento, conhece a tranquilidade do espaço que volta ao espaço.

53.
Vê o mundo inteiro como um inferno em chamas. Então, quando tudo se tornar em cinzas, penetra a felicidade pura.

54.
Se mais e mais sutis tattwas são absorvidos por sua própria origem, a Deusa suprema te será revelada.

55.
Alcança o intangível alento focado entre teus olhos, então quando surge a luz deixa que Shakti desça ao teu coração e lá, na radiante presença, no momento de dormir, aprende a mestria dos sonhos e conhece o mistério da morte.

56.
Considera a totalidade do Universo sendo dissolvida em formas mais e mais sutis até que mergulhe em consciência pura.

57.
Se meditares sem o limite do espaço no tattwa Shiva, que é a quintessência de todo o Universo, conhecerás o êxtase supremo.

58.
Ó grande Deusa, percebe a espacialidade do Universo, e seja o jarro que o contém.

59.
Olha para uma vasilha ou outro recipiente sem ver seus lados ou o material que o compõe. Em pouco tempo torna-te consciente do espaço.

60.
Assume estar em um lugar infinitamente espaçoso, livre de árvores, montanhas, vales. Deixa que teu olhar se dissolva no espaço vazio, enquanto tua mente relaxa.

61.
No espaço vazio que separa dois instantes de consciência, radiante espacialidade é revelada.

62.
Assim que o impulso de fazer algo surgir, pare. Então, nâo estando no impulso precedente nem no próximo, a realização brotará intensamente.

63.
Contempla todas as formas do teu próprio corpo e aquelas do universo inteiro como sendo de idêntica natureza. Assim teu ser onipresente e tua própria forma descansa em unidade e tú alcançarás a natureza última da consciência.

64.
Durante qualquer atividade, concentra-te no intervalo entre inalação e exalação. Assim atinge o êxtase.

65.
Sente tua essência: ossos, carne e sangue, saturados com a essência cósmica, e conhece o prazer supremo.

66.
Ó beleza com olhos de gazela, considera os ventos como sendo teu próprio corpo feito de prazer. Quando sentires a vibração, alcança a presença luminosa.

67.
Quando teus sentidos se desfazem e tua mente se torna quieta, entra na energia do alento e quando sentires um formigamento, conhece o prazer supremo.

68.
Quando praticas um ritual sexual, deixa que os pensamentos residam no balançar de teus sentidos como o vento nas folhas e alcança o gozo celestial do amor extático.

69.
No princípio da união esteja no fogo da energia liberada pelo prazer da intimidade sensual. Funda-te na divina Shakti e mantenha-te queimando no espaço, evitando as cinzas no final. Estes deleites são em verdade aqueles do Eu.

70.
Ó deusa! O prazer sensual do gozo da união íntima pode ser reproduzido a qualquer momento pela essência luminosa do espírito que se rememora intensamente este gozo.

71.
Quando te reencontrares com um ser amado, esteja totalmente dentro desta felicidade e penetra este espaço luminoso.

72.
Na hora da euforia e da expansão causada por delicadas comidas e bebidas, esteja totalmente nesse deleite e através dele experimenta o gozo supremo.

73.
Funde-te no prazer sentido através da música, ou outros prazeres de outros sentidos. Se te imergires neste prazer, alcanças o divino.

74.
Em qualquer lugar onde encontres satisfação, a mais profunda essência do prazer te será revelada se te mantiveres neste lugar sem deixar que tua mente divague.

75.
No momento de dormir, quando o sono ainda não chegou e o estado de vigília se desvanece, neste exato momento, conhece a Deusa suprema.

76.
No verão, quando teu olhar se dissolve no infinito céu azul, penetra nesta luz que é a essência de tua mente.

77.
Entrarás na espacialidade de tua própria mente no momento em que a intuição se liberta através da fixação do olhar, a sucção ininterrupta do amor, os sentimentos violentos, a agonia pela morte.

78.
Sentado em posição confortável, pés e mãos no vazio, ascenda ao espaço da inefável plenitude.

79.
Numa posição confortável, as mãos abertas e na altura das espáduas, uma zona de espacialidade luminosa se difunde gradualmente entre tuas axilas, banha o coração e traz paz profunda.

80.
Olha fixamente sem piscar para um pedregulho, um pedaço de madeira, ou outro objeto ordinário qualquer, o pensamento perde todo o propósito e rapidamente alcança Shiva/Shakti.

81.
Abre tua boca, volta tua mente para a tua língua ao centro da cavidade oral, exala com o som HA e conhece a pacífica presença para o mundo.

82.
Deitado de forma plana, vê teu corpo sem sustentação. Deixa que teus pensamentos se dissolvam no espaço, então os conteúdos da profundeza de tua consciência se dissolverão e experimetarás pura presença, liberta dos sonhos.

83.
Ó Deusa, sente os movimentos extremamente lentos do teu corpo, de um monte, de um veículo e, com a mente em paz, submerge no espírito divino.

84.
Fita o límpido céu azul sem piscar. A tensão dissolver-se-á durante teu olhar e então alcança a sagrada calma de Bhairava.

85.
Penetra a radiante espacialidade de Bhairava espalhada dentro de tua própria cabeça, abandona espaço e tempo, seja Bhairava.

86.
Quando alcançares Bhairava dissolvendo a dualidade enquanto desperto, quando a presença desse espaço continua durante o sonho, e quando então cruzares a noite do sono profundo na forma real de Bhairava, conhece o infinito esplendor do despertar da consciência.

87.
Durante uma noite escura, sem luar, olhos abertos na escuridão, deixa que todo o teu ser se derreta nessa obscuridade e alcança a forma de Bhairava.

88.
Olhos fecham, dissolve na escuridão, então abre teus olhos e te identifica com a sagrada forma de Bhairava.

89.
Quando um obstáculo se colocar no caminho da gratificação através dos sentidos, te apropria deste instante de vazio que é a real essência da meditação.

90.
Com todo o teu ser pronuncia uma palavra terminada com "AH" e no "H" deixa-te ser varrido pela torrente da sabedoria.

91.
Quando focas tua mente livre de estrutura no som final de uma letra, a
imensidão é revelada.

92.
Andando, dormindo, sonhando, a consciência livre de qualquer
propósito, conhece a tí mesmo como presença espacial radiante.

93.
Belisca uma parte do teu corpo e através deste único ponto, alcança o
domínio radiante de Bhairava.

94.
Quando através da contemplação, ego, atividade intelectual e mente se
revelam vazias, qualquer forma torna-se espaço ilimitado e a verdadeira
raíz da dissolução da dualidade.

95.
Ilusão perturba, os cinco sentidos obstruem a visão, separações
impostas por pensamentos dualísticos são artificiais.

96.
Quando tiver consciência de um desejo, considera-o pelo tempo de um
estalar de dedos, então derrepente, deixa-o partir. Então ele volta para o
lugar de onde veio.

97.
Antes de desejar, antes de saber: "Quem sou Eu, onde estou?" tal é a
natureza do Eu, tal é a profundidade espacial da realidade.

98.
Quando desejo ou conhecimento se manifestam, esquece seus objetos e
foca tua mente em desejos ou conhecimentos não materiais sendo o Eu. Então
alcançarás a realidade profunda.

99.
Qualquer conhecimento particular é decpcionante. Quando a sede do
conhecimento aflora, imediatamente realiza a espacialidade do próprio
conhecimento e seja Shiva/Shakti.

100.
Consciência está em toda parte, não há diferenciação. Realiza isto em
profundidade e assim triunfa sobre o tempo.

101.
Em estado de extremo desejo, raiva, cobiça, confusão, orgulho ou
inveja, entra no teu próprio coração e descobre a paz escondida.

102.
Se perceberes o universo inteiro como fantasmagoria, um inefável
prazer aflorará dentro de tí.

103.
Ó Bhairaví, não reside no prazer nem na dor, em vez disso esteja
constantemente na inefável realidade espacial que une a ambos

104.
Quando realizas que estás em todas as coisas, a ligação com o corpo
se dissolve, o prazer último emerge.

105.
Desejo está em tí, como em todas as coisas. Realiza que ele está
também nos objetos e em tudo que tua mente possa imaginar. Então,
descobrindo a universalidade do desejo, penetra no seu espaço radiante.

106.
Todo o ser vivo percebe o subjetivo e o objetivo, mas o tântrico
reside na união entre ambos.

107.
Sente a consciência de cada ser como a tua própria.

108.
Liberta a mente de todo o propósito e aprende a não dualidade. Então
dona dos olhos de gazela, o ser limitado se transforma no Ser absoluto.

109.
Shiva é onipresente, onipotente e onisciênte. Se tens os atributos de
Shiva és semelhante a ele. Reconhece o divino em tí mesmo.

110.
Ondas nascem no oceano e nele se perdem, chamas nascem e morrem, o
sol se mostra então desaparece. Assim devem todas as coisas encontrarem
sua fonte na esoacialidade e a ela retornar.

111.
Vaga ou dança até a exaustão espontânea. Então, repentinamente te
deita no solo e seja total nessa queda. Alí a essência absoluta será
revelada.

112.
Suponha que estás gradualmente sendo despojado de energia e
conhecimento. No momento dessa dissolução, teu verdadeiro ser será
revelado.

113.
Ó Deusa, ouve o ensinamento místico último: você precisa apenas fitar
o espaço sem piscar para alcançar a espacialidade de tua própria mente.

114.
Interrompe a percepção do som tapando teus ouvidos. Contraindo o
ânus, começa a ressoanar e toca aquilo que não está sujeito ao tempo ou
espaço.

115.
À beira de um poço, olha sem se mover para suas profundezas até que a
maravilha se apodere de tí e funde-te no espaço.

116.
Quando tua mente divaga externa ou internamente, é precisamente
quando o estado shivaísta se manifesta. Onde pode o pensamento se refugiar
para não saborear este estado?

117.
O Espírito está em tí e ao redor de tí. Quando tudo é pura
consciência espacial, alcança a essência da plenitude.

118.
Em estupor, ansiedade, sentimentos extremos, à beira do abismo,indo
para o campo de batalha, na fome ou no terror, ou ainda quando tú perderes
o controle, a essência da espacialidade da tua própria mente pode ser
possuída.

119.
Quando a vista de um certo lugar traz memórias passadas, deixa que
tua mente reviva estes instantes, então, quando as memórias se apagarem, a
um passo além, conhece a onipresença.

120.
Olha para um objeto, então, lentamente retira teu olhar. Então retira
teus pensamentos e transforma-te no recpetáculo da inefável plenitude.

121.
A intuição que aflora da intensidade da devoção passional flui no
espaço, libera-te e te permite alcançar o domínio de Shiva/Shakti.

122.
Com a atenção focada em um único objeto, podes penetrar qualquer
objeto. Relaxa então na plenitude do teu próprio Ser.

123.
A pureza exaltada por pessoas religiosas ignorantes parece impura
para o tântrico. Livra-te do pensamento dualístico e não considera nada
como puro ou impuro.

124.
Compreende que a espacial realidade de Bhairava está presente em
todas as coisas, em todos os seres e seja esta realidade.

125.
Felicidade reside na igualdade entre sentimentos extremos. Reside no
teu próprio coração e alcança a plenitude.

126.
Liberta-te do ódio assim como do apego. Então, desconhecendo qualquer
aversão ou amarra, desliza em direção ao divino dentro de teu coração.

127.
Ser de coração doce e aberto, medita naquilo que não pode ser
conhecido, o que não pode ser alcançado. Toda dualidade estando fora do
alcance, onde pode a consciência estabelecer-se para escapar do êxtase?

128.
Contempla o espaço vazio, alcança a não percepção, não distinção, o
insólito, além do ser ou não ser: alcança o não espaço.

129.
Quando o pensamento se dirigir a algum objeto, utiliza esta energia.
Vai além do objeto, e alí, fixa teu pensamento neste espaço vazio e
luminoso.

130.
Bhairava é uno com tua consciência radiante, cantando o nome de
Bhairava, tornar-te-á Shiva.

131.
Quando tú estabeleces: "Eu existo", "Eu penso isso ou aquilo", "tal
coisa me pertence", toca aquilo que é infundado e além de tais
estabelecimentos, conhece o ilimitado e encontra a paz.

132.
"Eterna, onipotente, insustentável, Deusa de todo o mundo
manifestado..."Seja esta e atinge Shiva/Shakti.

133.
O que chamas de universo é uma ilusão, uma aparição mágica. Para ser
feliz considera isto como tal.

134.
Sem o pensamento dualísta, o que poderia limitar a consciência?

135.
Na realidae, apego e liberação existem somente para aqueles que estão
aterrorizados pelo mundo e ignoram sua natureza fundamental: o universo se
reflete na mente assim como o sol sobre as águas.

136.
No momento em que tua atenção desperta através dos órgãos dos
sentidos, entra na espacialidade do teu próprio coração.

137.
Quando conhecedor e conhecimento são um só, o Eu divino brilha
esplendorosamente.

138.
Ó bem amada, quando mente, intelecto, energia e o eu limitado
desaparecem, então aparece a maravilha de Bhairava.

139.
Ó Deusa, Já te revelei cento e doze dhâranâ. Aquele que os conhece
escapa do pensamento dualista e atinge o conhecimento perfeito.

140.
Aquele que realiza um único destes dhâranâ se torna Bhairava. Sua
palavra se torna lei e ele obtém o poder de transmitir a Shakti à vontade.

141-144.
Ó Deusa, o ser que se torna mestre em uma única destas práticas
se vê livre da idade e da morte, ele obtém poderes paranormais, toda
yogini e todo yogin o terão em alta estima e ele presidirá seus encontros
secretos. Liberado em meio à atividade e realidade, ele é livre.

A Deusa disse:

Ó Senhor, deixa que sigamos essa maravilhosa realidade que é a natureza
suprema de Shakti! Quem então é idolatrado? Quem é o idólatra? Quem entra
em contemplação? Quem é contemplado? Quem faz oferendas e quem as recebe?
O que é sacrificado e para quem?

Ó Deusa de olhos de gazela, todas estas práticas são aquelas do caminho
externo. Elas servem para aspirações grosseiras.

145.
Somente a contemplação da mais alta realidade é a prática de um
tântrico. Aquilo que ressoa espontaneamente em alguém é a fórmula mística.

146.
Uma mente estável e sem características, aí está a real contemplação.
Visualizações de divindades cheias de cores não são mais que artifícios.

147.
A fé não consiste em oferendas, mas na realização de que o coração é
consciência suprema, livre de pensamentos dualístas. Em perfeito ardor,
Shiva/Shakti dissolve-se no Eu.

148.
Aquele que penetra um único yoga aqui descrito, conhece a plenitude
que se espalha dia após dia para alcançar a mais alta perfeição.

149.
Quando alguém entrega ao fogo da suprema realidade os cinco
elementos, os sentidos e seus objetos, a mente dualista e até mesmo o
vácuo, então temos a real oferenda aos Deuses.

150-151.
Ó Deusa suprema, aqui o sacrifício nada mais é que satisfação
espiritual caracterizada pelo prazer. A real peregrinação, Ó Pârvati, é a
absorção em Shakti que destrói toda a imperfeição e protege todos os
seres. Como poderia existir algum outro tipo de fé e quem seria
glorificado?

152.
A essência do Eu é universal. Ela é autonomia, bem aventurança e
consciência. Absorção nessa essência é o banho ritual.

153.
Oferendas, devoção, suprema Shakti são o mesmo. Isso é devoção
suprema.

154.
Respiração entra e sai, sinuosamente por sí própria. Perfeitamente
sintonizada com a respiração, Kundalini, a Grande Deusa, ascende.
Transcendente e imanente, ela é o mais alto local de peregrinação.

155.
Assim, profundamente estabelecido no ritual do grande prazer,
plenamente presente na ascensão da divina energia, grato à Deusa, o yogin
alcançará o supremo Bhairava.

155a-156.
O ar é exalado com o soum SA e inalado com o som HAM. Então o
recitar do mantra HAMSA é contínuo. Respiração é mantra, repetido mil e
uma vezes, dia e noite. É o mantra da grande Deusa.

157-160.
Ó Deusa! Eu acabo de te dar ensinamentos místicos últimos. Deixa
que eles sejam passados somente à seres generosos, àqueles que reverenciam
a linhagem dos Mestres, às mentes intuitivas libertas de ondulações
cognitivas e dúvidas e a quem for praticá-los. Pois, sem a prática a
transmissão se diluirá e aqueles que tiverem a divina oportunidade de
receber esses ensinamentos retornam ao sofrimento e à ilusão ainda que
tenham tido um tesouro eterno em suas mãos.

Ó Deus, eu agora alcancei a essência dos ensinamentos da quintessência do
tantra. Esta vida terá que ser deixada para trás, mas por que renunciar o
coração de Shakti? Assim como o espaço é reconhecido quando iluminado
pelos raios do sol, assim é Shiva dito através da energia de Shakti que é
a essência do Eu.

Então, Shiva e Shakti, brilhando em bem aventurança, novamente se fundiram
no indiferenciado.



Obs: Traduzido do Sânscrito para o inglês por Daniel Odier e do inglês para o português por Sérgio Baroukh.