24 de jun. de 2011

Isha Upanishad

Infinito
Este texto foi transmitido oralmente antes da invenção dos alfabetos sânscritos usados para transcrevé-lo. Estima-se sua idade em 3500 anos. O nome desta Upanishad deriva da primeira palavra que aparece nela, Isha ou Ishvavasya, que designa o Absoluto ou Ser Infinito.

O principal propósito deste shastra é mostrar-nos a onipresença do Absoluto e a unidade essencial existente no universo. Preocupa-se, não em definir o Absoluto em si mesmo, senão em relação ao mundo. Nos ensina igualmente que espiritualidade e vida cotidiana não são incompatíveis.

Mahatma Gandhi prestou um belo tributo a este texto quando disse:

"Se as Upanishads e todas as outras escrituras fossem repentinamente reduzidas a cinzas, e se somente o primeiro verso da Isha Upanishad permanecesse na memória dos hindus, o hinduísmo viveria para sempre."

Esse primeiro verso ao qual Gandhi refere-se, é a invocação inicial (shantipath) deste texto, e diz assim:

"Om. Isto é plenitude. Aquilo é plenitude.
Da plenitude, a plenitude surge.
Tirando a plenitude da plenitude,
somente a plenitude resta.
Om paz, paz, paz."

Essa lacônica invocação, que mais parece uma absurda fôrmula matemática (1-1=1), coloca em xeque o principal dogma da civilização materialista e tecnocrática em que vivemos atualmente. Apoiando-se num padrão de escassez muito mequetrefe, esse dogma, torpemente consensual, afirma que nunca haverá suficiente terra, alimento, dinheiro ou conforto para todos.

Consequentemente aprendemos, desde crianças, que estamos condenados a lutar com unhas e dentes para conseguir esses bens, e que morreremos se não os soubermos conservar. Este parece um triste corolário sociológico da lei da seleção natural.

O ponto de vista deste shantipath é oposto a essa atitude materialista e é absolutamente revolucionário, apesar da sua respeitável idade. Essa visão inovadora (se podemos falar em “inovação”, em se tratando de um texto de 3500 anos) começa na constatação de que a natureza é infinitamente generosa: “tirando-se a plenitude da plenitude, somente a plenitude resta”.

O ponto de partida é diametralmente oposto ao do materialismo: existe uma fonte infinita e inesgotável de pura consciência, amor, abundância e plenitude, e essa fonte é o Ser Infinito. Sintonizando-nos com ele, teremos um vida plena e feliz, na qual as benesses do mundo material serão apenas uma conseqüência natural, e não a principal força que comanda nossas vidas. É desta forma que a invocação induz o início da Isha Upanishad, que nos faz o primeiro convite no seguinte verso:

"O Ser Infinito está presente nos corações de todos.
O Ser Infinito é a suprema realidade.
Regojizemo-nos nele através da renúncia.
Não cobiçes nada, pois tudo ao Ser pertence."

Se todos aceitássemos essa proposta, certamente não haveria mais guerras, nem fome, nem violência. Citemos novamente Mahatma Gandhi:

"Há o suficiente no mundo para suprir as necessidades de todos. Porém, não há o suficiente para suprir as ambições de todos."

Dioníso o Areopagita, filósofo neoplatônico do século V d.C., escreveu que, conforme envelhecia e ficava mais sábio, seus textos ficavam mais e mais curtos. Se formos usar essa regra para medir a idade (e a sabedoria) do compositor deste texto, poderemos concluir que ele seria imortal, pois esta é a mais breve e profunda das Upanishads.

Dizer que esta é a mais breve e profunda das Upanishads não é dizer pouco, pois essa coleção de textos caracteriza-se pela brevidade quase telegráfica, e focaliza-se inteiramente na busca interior.

1) Qual é a causa do cosmos?
2) O que faz minha mente pensar?
3) O que acontece após a morte?

É com perguntas como estas que as Upanishads nos convidam a um questionamento sobre a realidade transcendental. Essas escrituras não tratam sobre especulação metafísica, mas oferecem um guia prático e preciso para realizar o propósito supremo da existência.

Ao longo destas obras percebe-se a visão dos rishis, sábios-poetas da Índia antiga. Essa visão, advinda da experiência pessoal, nos ensina que existe uma essência divinal dentro de cada ser e que descobrir essa essência dentro de si próprio é o mais elevado propósito de vida.

Como estes textos pertencem a um período histórico e a uma cultura muito diferentes da nossa, precisaremos fazer um esforço para compreender a linguagem e o simbolismo, que podem parecer escuros na primeira leitura. Não obstante, nossos esforços serão bem recompensados pela beleza e profundidade das reflexões que eles postulam.

O tradutor da presente versão precisou usar toda sua experiência, inteligência e compreensão, aliadas a anos de meditação, leituras e tentativas frustradas, antes de criar a coragem necessária para colocar esta tradução no papel. Em parte, devido ao respeito que este breve texto inspira, em parte por causa da complexidade da tarefa. Boas contemplações!



Isha Upanishad

Invocação da paz

Om. Isto é plenitude. aquilo é plenitude.

Da plenitude, a plenitude surge.

Tirando-se a plenitude da plenitude,

somente plenitude resta.

Om paz, paz, paz.


A Unidade que permeia o Cosmos

O Ser Infinito está presente nos corações de todos.

O Ser Infinito é a suprema realidade.

Regojizemo-nos nele através da renúncia.

Não cobices nada, pois tudo ao Ser pertence. 1.


Trabalho e sabedoria

Que trabalhando desta forma, possas viver cem anos.

Pois somente assim poderás trabalhar em liberdade real. 2.


Aqueles que negam o Ser renascem novamente.

Cegos para o Ser, envolvidos nas trevas,

são totalmente destituídos de amor por ele. 3.


O Ser Infinito é transcendente e imanente

O Ser é uno. Sempre imóvel,

o Ser é mais veloz que o pensamento,

mais veloz que os sentidos.

Embora imóvel, ele alcança qualquer objetivo.

Sem o Ser, a vida não poderia existir. 4.


O Ser parece mover-se, mas está sempre quieto.

Parece estar longe, mas está sempre perto.

Está em tudo, e tudo transcende. 5.


Aqueles capazes de perceber todos os seres em si mesmos,

e a si mesmos em todos os seres, não conhecem o medo.

Aqueles capazes de perceber todos os seres em si mesmos,

e a si mesmos em todos os seres, não conhecem o sofrimento. 6.


Como pode a multiplicidade da vida

iludir àquele que percebe sua unidade? 7.


O Ser está em toda parte. Resplandecente é o Ser.

Indivisível, imaculado, sábio, imanente e transcendente,

é ele quem mantém a coesão do mundo. 8.


Ignorância e sabedoria

Em noite de trevas vivem aqueles

para quem somente o mundo exterior é real.

Em trevas ainda mais escuras vivem

aqueles para quem apenas o mundo interior é real. 9.


O primeiro conduz a uma vida de ação.

O segundo, a uma vida de contemplação. 10.


Porém, aqueles capazes de combinar ação e contemplação,

atravessando o mar da morte pela ação,

alcançam a imortalidade através da contemplação.

Assim ouvimos dos sábios que nos instruíram. 11.


O manifestado e o não-manifestado

Em trevas que cegam vivem

aqueles que adoram a destruição.

Em trevas ainda mais escuras vivem

aqueles que se apegam à criação. 12.


Um é o resultado da criação.

Outro é o resultado da destruição. 13.


Criação e destruição: quem conhece ambas,

atravessando a morte pela destruição,

alcança a imortalidade através da criação.

Assim ouvimos dos sábios que nos instruíram. 14.


Prece para a visão da natureza real

A face da verdade está oculta pelo disco dourado.

Remove teu disco, ó Sol que nutres o mundo,

para que eu possa perceber minha natureza real! 15.


Ó Sol, nosso pai, viajante solitário,

controlador da potência da criação,

fonte da vida de todos os seres,

dispersa teus raios e domina teu deslumbrante resplendor

para que eu possa ver o Ser benéfico. Eu mesmo sou esse Ser! 16.


Que meu alento possa dissolver-se no Imortal

quando meu corpo virar cinzas.

Om. Inteligência, recorda, recorda teus feitos,

Inteligência recorda, recorda teus feitos! 17.


Agni, deus do fogo, conduze-nos pelo bom caminho para a felicidade.

Conheces nossos feitos. Livra do erro àqueles que te adoram!

Respeitosa homenagem te oferecemos. 18.

Aqui conclui-se a Isha Upanishad.

Om paz, paz, paz.

Tradução: Pedro Kupfer

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